sexta-feira, 23 de abril de 2021

Quatro comportamentos das baleias com os quais humanos podem aprender

Elas também amam, sofrem, brincam e valorizam a família. “O Segredo das Baleias”, nova série da NatGeo no Disney+, revela o que podemos aprender sobre (e com) esses animais


O compromisso estava marcado para aquela tarde, no Canadá. E, como não poderiam se atrasar, saíram com bastante antecedência para encontrar os outros quase 2 mil participantes da reunião anual. Com sorte, a família chegou a tempo, depois de seis semanas de viagem. O objetivo era reencontrar velhos amigos e conhecer novos, além de se divertirem. O local da confraternização foi escolhido estrategicamente: naquela região, a temperatura é menos fria e o local é seguro.

Não, não estamos falando de algum tipo de reunião anual de pessoas nas férias de verão. O cenário descrito se refere a baleias, e o local é precisamente Cunningham Inlet, região no Ártico canadense que recebe belugas todos os anos e funciona praticamente como um berçário gigante e natural desses animais. Lá, a temperatura da água é mais amena devido à proximidade a um rio, o que torna o lugar mais conveniente para o nascimento de novas integrantes do grupo.

Essa é uma das muitas cenas apresentadas em O Segredo das Baleias, nova série da National Geographic, disponibilizada na plataforma de streaming Disney+ a partir desta quinta-feira (22). Lançada no Dia da Terra, a produção garante o protagonismo de belugas, orcas, jubartes, cachalotes e narvais, além de lembrar que não estamos sozinhos no planeta: há outras espécies, além dos humanos, que sentem amor, empatia e diversas emoções.

A produção da série é de James Cameron, conhecido por nada menos que filmes como Aliens (1986), Titanic (1997) e Avatar (2009). Sigourney Weaver, atriz queridinha de Cameron, é a voz responsável pela narração das cenas, que foram dirigidas por Brian Armstrong. A trilha sonora ficou por conta de Raphaelle Thibaut.

À frente dos registros de tirar o fôlego está o fotógrafo da NatGeo Brian Skerry, por quem somos convidados a mergulhar nas águas que carregam os segredos desses mamíferos.  Três anos de observação em 24 localidades ao redor do mundo são apresentados em quatro episódios, aos quais GALILEU teve acesso de antemão. “Eu diria que, no geral, o mais empolgante foi observar a complexidade dessas baleias unidas em sociedade, que realmente têm culturas únicas e tradições ancestrais passadas de uma geração a outra”, relata Skerry, em entrevista virtual à reportagem.


Assista ao trailer da série abaixo:



O projeto da série surgiu justamente após um grupo de cientistas constatar que animais como as baleias têm suas próprias culturas. Segundo Brian Armstrong, a princípio a ideia lhe pareceu ousada, mas quanto mais eles foram se aprofundando na produção, mais o diretor entendeu a dimensão do trabalho, que esteve sempre guiado pela abordagem científica. “Quando você observa uma baleia mãe ‘carregando’ seu filhote junto dela durante uma semana, que tipo de comportamento é esse, no mundo animal, que não é afetivo?”, questiona Armstrong.

A cultura na qual estamos inseridos vai sendo ensinada a nós durante a vida, e assim é com as baleias. Os filhotes aprendem com a mãe tudo de que precisam para sobreviver, mas também são ensinados sobre tradições familiares e culturais. Como explica um dos episódios, orcas jovens aumentam em até cinco vezes as chances de sobrevivência quando seguem os ensinamentos maternos. As belugas, por sua vez, retornam anualmente ao Ártico canadense não por instinto, mas porque escolhem voltar, graças ao aprendizado cultural que receberam.

E nós temos muito a aprender com elas. A seguir, veja alguns dos pontos revelados pela série sobre o surpreendente mundo das baleias:


1. Repasse conhecimento

Ao longo dos episódios de O Segredo das Baleias conhecemos as sofisticadas estratégias de caça desses animais, que são aprendidas e ensinadas ao longo de gerações. Na Antártida, por exemplo, famílias de jubarte oriundas de diversas regiões do planeta têm a mesma técnica: elas formam uma rede de bolhas, que criam uma impressionante imagem vista de cima e que lembram o desenho de um caracol. O método consiste em nadar mais para o fundo e soltar ar enquanto percorrem um trajeto em espiral. Como suas presas são atraídas pelas bolhas e as bolhas sobem até a superfície, as baleias também se elevam para esperar e atacar sua comida. Após a refeição, algumas jubartes dão a si mesmas o direito de cochilar. E não é de se esperar menos de um animal que se alimenta de cerca de 2 toneladas de krill por dia.

Já as cachalotes mergulham fundo para caçar lulas. E bota fundo nisso! Elas precisam segurar a respiração por tempo suficiente para ir e voltar de quase mil metros de profundidade. É como se houvesse dois prédios do principal arranha-céu de Nova York, o Empire State Building, abaixo da superfície — e, mesmo assim, as cachalotes estariam ainda mais no fundo.

Seria humanamente impossível para a equipe de Brian Skerry acompanhar esse momento, devido à alta pressão exercida pela água sobre os pulmões e ouvidos — para ter ideia, descer 300 metros de profundidade já é muito. Em um mergulho para acompanhar orcas caçando e se alimentando de arraias, o fotógrafo conseguiu descer o bastante para registrar uma das cenas de maior destaque durante a produção da série. “Havia essa fêmea que se alimentava de uma arraia. Quando nadei para perto dela, ela soltou [a arraia] como se estivesse dividindo comigo”, contou a GALILEU. “Jamais poderia esperar por isso, foi uma experiência absolutamente incrível.”

No mar aberto, esses animais (que na verdade não são baleias, e sim parentes dos golfinhos) não têm nada de assassinos, como costumam ser chamados. Não há registros de mortes de humanos causadas por orcas na vida selvagem — já o contrário…


2. Família é tudo

As famílias de baleias têm matriarcas. São elas quem retêm a sabedoria que será passada adiante para manter sua cultura viva. “Elas investem muito na próxima geração. Protegem-se e reúnem-se como uma comunidade”, explica Skerry. A série mostra bem isso: em uma cena, a irmã mais velha cuida da orca caçula enquanto ela explora o mar; em outro registro, uma mãe sofre o luto de perder um filhote, mantendo o corpo dele perto do seu e juntando os demais animais do grupo; e é impossível não se emocionar com a beluga encalhada que, mesmo exausta, não desiste de tentar se salvar após ouvir o chamado de seu filhote perdido. E consegue.

“É disso que se trata O Segredo das Baleias. É sobre enxergar esses animais através de lentes de suas próprias culturas. E isso muda a maneira como enxergamos a natureza”, comenta Skerry.


3. Cada uma com seu “baleiês”

Mais do que simplesmente se comunicar, O Segredo das Baleias mostra que esses mamíferos têm linguagens próprias, vocabulários inteiros e que dão nomes umas às outras. As belugas, por exemplo, têm expressões faciais, são capazes de rir. Já cada família de orca fala uma língua específica. “Elas se isolam pela linguagem, isto é, animais geneticamente idênticos não se misturam porque têm diferentes dialetos, assim como os humanos”, explica Brian Skerry.

No caso das cachalotes, algumas famílias compartilham a mesma língua, que é entendida pelos humanos como uma sequência de cliques e estalos — como se usassem um código morse criado pelas baleias. Na produção, o ecologista Shane Gero revela que foram registradas ao menos 24 diferentes sequências de cliques usados por elas. Se somos capazes de escrever livros com 26 letras no alfabeto, imagine o que uma cachalote não consegue dizer em estalos?

Mas o ouvido humano não aguentaria escutar a comunicação das cachalotes de perto, porque elas emitem sons em aproximadamente 230 decibéis (dB), nível suficiente para romper nossos tímpanos. As jubartes, por outro lado, conseguem conversar sussurrando a 40 dB, mais baixo do que conversas entre humanos (que ficam em torno de 60 dB). Silenciosas quando querem, elas também são capazes de emitir cantos que viajam por quilômetros e que duram aproximadamente 20 minutos. “Estar na água e ouvir o canto de uma jubarte é único no mundo. Você pode ouvi-la a uma distância enorme, mas quanto mais perto você chega, mais sente as vibrações simplesmente ressoarem nas suas cavidades corporais”, detalha o fotógrafo. 

A musicista Raphaelle Thibaut, que assina a trilha sonora da série, considera que o canto das baleias é uma linguagem semelhante à música para os humanos. “Apesar de não entendermos o que elas estão falando, é familiar, você capta o som e as entonações”, pontua. “Assim como as baleias se comunicam a quilômetros de distância, nós também o fazemos de uma ponta a outra do planeta por meio de uma linguagem única, que é a música. Ainda que você não saiba cantar, todos compreendemos do que se trata.”


4. Um por todos e todos por um

A série da NatGeo como um todo evidencia o espírito de equipe e cuidado que as baleias têm com suas semelhantes. É o caso das cachalotes, que não seguem um líder, mas tomam decisões em conjunto, comunicando-se oralmente e por linguagem corporal ao nadar.

Quando estão juntas, as baleias têm mais chances de se proteger e espantar outros animais. Mas caso se percam do grupo, a sobrevivência entra em risco. O Segredo das Baleias revela que, apesar de haver embates entre espécies, há também um potencial de acolhimento. Um exemplo é quando vemos uma jovem baleia narval perdida cruzar o caminho de um grupo de belugas, que a adotam, extrapolando qualquer limite imposto pelas diferenças culturais de cada espécie.

Mas, afinal, qual é o grande segredo das baleias? É impossível cravar apenas um — o título original em inglês inclusive está no plural, Secrets of the Whales. Estabelecer uma comunicação singular e viver em comunidade, brincar na água e ser treinada a caçar a própria refeição, aprender as tradições da família com ancestrais são apenas alguns dos comportamentos enigmáticos e encantadores desses seres aquáticos.

“Observamos esses animais sendo retratados como monstros, como em Mobydick, mas na verdade o que você vê é o amor e a ternura. Vê que eles são tímidos, que são gentis e que se importam uns com os outros”, aponta Brian Skerry. Para o fotógrafo que viu tudo de perto, o maior aprendizado da experiência envolve coisas que ele já sabia: que família e amor importam, e foram as baleias que o lembraram disso.


Fonte: Revista Galileu, de 22 de abril de 2021 (Texto da Beatriz Gatti)


quinta-feira, 22 de abril de 2021

Museu canadense inaugura exposição especial sobre Orcas

Um dos principais museus do Canadá, o Royal B.C. Museum, localizado em Victoria, na Colúmbia Britânica, acaba de inaugurar uma exposição especial exclusivamente sobre Orcas. A muitíssimo aguardada inauguração do “Orcas: Nosso Futuro Compartilhado”, que foi adiada por um ano devido ao COVID-19, ocorreu no último final de semana.

A nova atração é um verdadeiro mergulho na vida das Orcas, em especial na vida das queridas moradoras da região, as Orcas Residentes do Sul.

O curador de zoologia de vertebrados do museu, Gavin Hanke, contou que a exposição reúne o trabalho de cientistas, anciões indígenas, poetas, artistas e historiadores. “É impossível andar pela Colúmbia Britânica e não ver algo relacionado às Orcas”, comentou Gavin. “Elas são muito importantes para a cultura de todos nós aqui da costa.”

Foto: Royal B.C. Museum

A exibição apresenta réplicas de Orcas em tamanho real, bem como mais de cem importantes artefatos culturais e científicos, como a máscara de dança articulada do Richard Hunt (tribo Kwaguilth), uma caixa esculpida em ouro intrincado do Bill Reid (tribo Haida) e uma pintura do artista haida de mangá Michael Nicoll Yahgulanaas feita especialmente para o museu.

A exposição destaca ainda os graves desafios ambientais enfrentados por essas Orcas já amplamente divulgados por aqui durante todos esses anos, em especial a escassez do salmão da espécie Chinook que é seu principal alimento. Para ilustrar de maneira explícita essa problemática, entre os artefatos, estão os esqueletos tanto da Orca J32 (Rhapsody) quanto do seu filhote que ainda estava na barriga na ocasião de sua morte. A Rhapsody tinha 18 anos e morreu em 2014. Em julho do mesmo ano, o Blog divulgou que ela estava grávida, e em dezembro, infelizmente, divulgou sua morte e, em seguida, o resultado da necropsia que constatou sua grave desnutrição.

Gavin Hanke contou que a história da Rhapsody foi crucial na vida dele e responsável por grandes mudanças pessoais que inclui o fato de ter adotado a dieta vegana e ter adquirido um automóvel elétrico. “Quando a necropsia foi finalizada, os tecidos tiveram que ser descartados em um aterro como lixo tóxico por conta da bioacumulação que ocorre na cadeia alimentar delas.”


Foto: Royal B.C. Museum


“Uma das funções centrais do museu é atuar como um filtro entre a ciência e o material que só se encontra na biblioteca de uma universidade e disponibilizá-lo ao público. E não apenas para adultos, mas para crianças e todas as idades”.

A exibição está programada para durar até 9 de janeiro de 2022 e todos os protocolos sanitários contra a COVID-19 estão em vigor. Para nós aqui de longe fica a imensa vontade de um passeio como este, mas a gratidão pelo Museu homenageá-las, trazer conscientização sobre os problemas que enfrentam e inspirar todos na luta para sua sobrevivência.

Saiba mais sobre a exposição no site do museu:

https://royalbcmuseum.bc.ca/visit/exhibitions/orcas-our-shared-future



P.S. Para saber mais sobre a gravidez e a morte da Rhapsody, visite as antigas postagens do blog:

http://v-pod-orcas.blogspot.com/2014/07/seria-um-novo-filhote-para-o-pod-j.html

http://v-pod-orcas.blogspot.com/2014/12/morre-rhapsody.html

http://v-pod-orcas.blogspot.com/2014/12/relatorio-preliminar-aponta-desnutricao.html


quarta-feira, 7 de abril de 2021

Páscoa é marcada por visitas de Orcas "ilustres" no Pacífico

E o presente de Páscoa de muitas pessoas foi muito além das visitas dos coelhinhos e dos ovos de chocolate neste ano. Já não bastasse a presença ilustre da Orca Transeunte "Chainsaw" nas águas do noroeste do Pacífico (divulgada na última postagem), quem também apareceu em meio a um grande pod das Orcas de Bigg (Transeuntes) neste feriado, foi a pequena Orca "branca" chamado de Tl´uk ("lua brilhante" na língua indígena da região).

Foto: Val Shore (Eagle Wing Tours/Shoreline Photography/PWWA)


Foto: Val Shore (Eagle Wing Tours/Shoreline Photography/PWWA)

Além das Transeuntes, uma empresa de observação de baleias também contou que conseguiu observar o Pod J (Residentes do Sul) próximo à San Juan Island, totalizando 56 Orcas avistadas só durante o feriado. "É sempre maravilhoso ver as baleias, mas encontrar diversos grupos incluindo duas "celebridades" como o Chainsaw e o Tl´uk nas proximidades é ainda mais especial", contou Val Shore, Naturalista e Fotógrafa da empresa de Turismo Eagle Wing Tours. "Essa época do ano é ótima para observar as Orcas de Bigg".

A população de Orcas Transeuntes em 2018 era de 349 animais e tem crescido cerca de 4% ao ano desde a década passada. Deste número, cerca de 200 delas são vistas todos os anos no Mar de Salish.


P.S.: O blog tem publicado informações sobre Tl´uk desde seu nascimento em 2018. Veja a notícia do ano passado quando ele foi visto nas águas do Alasca:

http://v-pod-orcas.blogspot.com/2020/08/orca-branca-tluk-e-vista-no-alasca.html



 

quarta-feira, 31 de março de 2021

Famosa Orca Transeunte é observada no Canadá

Uma orca macho de aproximadamente 43 anos, carinhosamente chamado pelos pesquisadores de "Chainsaw", "Motosserra" em Português, foi vista com seu grupo familiar na costa da Ilha de Vancouver nesta segunda-feira. A Pacific Whale Watch Association (PWWA), associação das empresas de observação de baleias do pacífico, conta que o nome foi escolhido por conta da nadadeira dorsal lembrar realmente uma motosserra. O avistamento ocorreu no Estreito de Haro entre a Ilha de Vancouver e as Ilhas San Juan. Ele estava acompanhado de mais dez Orcas Transeuntes.

Foto: April Ryan

"O dia estava propício para observação de baleias", contou a Sara McCullagh, capitã do navio Sea Lion. "É sempre bacana encontrar o Chainsaw. Ele geralmente está no topo da lista das Orcas que as pessoas querem ver nos passeios". Acredita-se que as marcas na nadadeira ocorreram ainda na juventude por conta de uma possível mordida de foca ou leão-marinho.
Chainsaw é integrante do Pod T e, junto dele, estava a Orca que se presume ser sua mãe, T065, também conhecida por Whidbey II. De acordo com os registros de observação, ele nasceu em 1978 e se desloca com mãe entre a costa oeste canadense e o Alasca, onde é apelidado pelos pesquisadores de "Zorro". 
As Orcas Transeuntes, também chamadas de as "Orcas de Bigg", em homenagem a Michael Bigg, Biólogo Marinho fundador dos modernos métodos de pesquisas, registros e foto-identificação de Orcas, contam com uma população de cerca de 400 Orcas identificadas e catalogadas.
Diferentemente da população de Orcas Residentes, que está ameaçada de extinção, especialmente por conta da falta de seu principal alimento, o salmão da espécie Chinook (como mais uma vez citado na publicação anterior do Blog), para nossa alegria, ao menos a população das Transeuntes está em crescimento na região. Segundos pesquisadores locais, este crescimento se dá pela abundância de alimento que são focas e leões-marinhos.



quinta-feira, 18 de março de 2021

Novo estudo revela quão importante é a alimentação adequada na sobrevivência das Residentes

Estudo afirma que se houvesse maior quantidade de salmão da espécie chinook nas águas do Pacífico durante o inverno, as chances de sobrevivência das Orcas Residentes do Sul (ameaçadas de extinção) seriam muito maiores.

O fato de elas terem que ampliar o cardápio entre outubro e março anualmente nas águas da Califórnia se estendendo até o Alasca, as deixa com pouca energia, afirma o estudo publicado no início do mês pela revista científica Plos One.

Brad Hanson, Biólogo da Administração Nacional Oceânica e Atmosférica dos EUA, disse que este é o primeiro estudo que analisa as necessidades alimentares das Orcas pela perspectiva delas próprias. Brad, Robin Baird e outros colegas coletaram e analisaram amostras de presas e fezes tanto de Orcas Residentes do Sul quanto do Norte desde 2004 e descobriram que o salmão chinook constitui quase toda a dieta delas durante a primavera, mas caindo para cerca de 70% no meio do inverno, e para apenas 50% durante o outono. Nesses períodos, identificaram que a alimentação foi complementada com salmão-prateado e salmão-keta, além de com outros peixes, incluindo o bacalhau-búfalo, o halibute e o linguado, que habitam regiões mais profundas do oceano.

Como se sabe, e já mencionado diversas vezes por aqui, elas dão preferência ao chinook por serem maiores, mais ricos em energia e fáceis de serem capturados. “Orcas se tornaram especialistas em chinooks provavelmente ao longo de dezenas de milhares de anos por causa da grande disponibilidade da espécie, mas agora acabam tendo que gastar muito mais energia para capturar peixes que as alimentam menos”, afirmou Robin Baird que também é Biólogo e pesquisador do Cascadia Research Collective de Washington.

Foto: Residentes do Sul por Ian McAllister (Pacific Wild)

O estudo então concluiu que as Orcas não têm energia suficiente para armazenar a gordura que as ajuda na manutenção da temperatura corporal em águas frias. Isso as enfraquece e as tornam não só incapazes de se reproduzirem como, quando conseguem, têm grande dificuldade de amamentar os filhotes. Como amplamente conhecido, as populações de chinook caíram drasticamente nos últimos cem anos devido a ação humana, incluindo a agricultura, a construção de barragens, a atividade industrial e a destruição de estuários. Todas as 14 populações de salmão chinook preferidas pelas Orcas estão ameaçadas. Esses peixes entravam e saíam das águas costeiras em diferentes épocas do ano e garantiam um suprimento constante de alimento. “Supondo que houvesse um rio com 100 milhões de chinooks que voltassem todos na mesma época do ano”, disse Robin, “não seria tão benéfico quanto ter cem rios, cada um com um milhão de chinooks e estes voltassem em diferentes épocas do ano.”

Uma forma de garantir o constante suprimento de chinooks para as Orcas seria que a pesca fosse na foz dos rios depois das áreas onde elas se alimentam. “Infelizmente, não existe uma solução simples.” “A sobrepesca e a degradação em grande escala do habitat de desova e criação são algumas das maiores ameaças ao salmão chinook e, por extensão, às Residentes do Sul”.

As Orcas são predadores de topo, e, por conseguinte, indicadoras importantes do ecossistema. A redução em sua população evidencia um ambiente degradado que afeta a todos. “As Orcas são mensageiras importantes, a grande questão é se estamos as ouvindo ou não.”


sábado, 13 de março de 2021

Equipe de pesquisa sul africana inicia estudos sobre Orcas

Os sons de uma Orca "tagarela" foram gravados na África do Sul pela primeira vez, perto de Fish Hoek, na Baía Falsa, no final de janeiro. Os sons foram captados pelos pesquisadores Tess Gridley e Simon Elwen do Sea Search, uma organização sem fins lucrativos com sede em Muizenberg, que se concentra na pesquisa e conservação de mamíferos marinhos ao longo das costas da África do Sul e da Namíbia.

“Temos um grupo atento de avistamentos que é formado por observadores e operadores de passeios de observação de baleias e logo pela manhã nos informaram sobre a presença das Orcas”, disse Simon.

A Sea Search tem coordenado pesquisas acústicas e de biópsia em Orcas há dois anos em parceria com a Universidade de Pretória e a Universidade de Durham, no Reino Unido. Os sons captados foram de um macho adulto que já foi observado antes de passagem, mas nesta ocasião estava no local há mais tempo, provavelmente se alimentando (de arraias ou peixes, ainda não sabem afirmar).

“Acreditamos que este seja o primeiro registro/documentação de vocalizações de Orcas em águas sul-africanas. Sabemos que Orcas possuem dialetos complexos com grande repertório e tipos de sons e chamadas”, disse a pesquisadora Tess Gridley. O áudio também é importante para identificar diferentes ecótipos de Orcas e iniciar uma classificação dos animais na região.



Como as pesquisas estão bem no início estão ansiosos para obterem mais dados e já planejam coletar amostras de pele para análise genética e possivelmente se utilizarem de tags de monitoramento via satélite para acompanhamento da movimentação das Orcas.

Através da análise da pele é possível identificar sexo, parentesco, isolamento, história evolutiva e estrutura populacional. Eles também podem usar os isótopos estáveis de elementos da pele para avaliar a alimentação desde tubarões a sardinhas.

Toda essa movimentação de Orcas na região tem deixado os pesquisadores muito interessados, isso porque, até alguns anos atrás, elas eram raras na África do Sul, ainda mais na Cidade do Cabo. Mas em 2015, vários tubarões da espécie cação-bruxa foram encontrados mortos por mergulhadores num local famoso para esta atividade na área marinha protegida do Parque Nacional da Montanha da Mesa (Table Mountain). As mortes desses cações também coincidiram com um declínio dramático nos avistamentos de grandes tubarões brancos na Baía Falsa. Acredita-se que são as Orcas que estão por trás disso tudo, em especial uma dupla já muito famosa entre os pesquisadores do mundo todo. A dupla de “rapazes” Port e Starboard, facilmente identificáveis por possuírem a nadadeira dorsal tombada. Uma para a direita e outra para a esquerda, motivo dos nomes que, em Português, significam “Bombordo e Estibordo” (fazendo referência aos termos náuticos “Bombordo” à esquerda da embarcação e “Estibordo” à direita da embarcação). Só da presença deles em águas sul-africanas já há mais de 40 registros.


“Há uma ligação muito clara da presença dessas Orcas para o que está acontecendo e tenho certeza que elas comem tubarões porque tenho uma fotografia do Starboard com um na boca”, contou Simon Elwen.

Outros grupos de Orcas são conhecidos por percorrerem grandes distâncias da Cidade do Cabo à Baía de Mossel, indo até Port Elizabeth.

“Nos últimos cinco anos, elas têm sido muito observadas, em especial, na Baía Falsa. Parte disso é porque tem muitos moradores próximos à costa e isso aumenta as oportunidades de observação. Mas essa subida e descida da quantidade de Orcas também pode estar associado a tendências ambientais mais amplas como as mudanças ambientais”.

Todas essas questões demonstram quão importante é o trabalho de estudo que está sendo iniciado pela Sea Search na África do Sul. Ele certamente trará muitas respostas.



P. S. : Em maio de 2017, eu já havia postado no Blog os casos de mortes de tubarões por Orcas na África do Sul e o curioso método de retirada “cirúrgica” do fígado desses animais. Acesse a postagem através do link:

http://v-pod-orcas.blogspot.com/2017/05/orcas-passaram-cacar-tubaroes-brancos.html


terça-feira, 9 de março de 2021

Jubarte juvenil escapa de ataque de Orcas na Austrália

Uma jubarte juvenil, teoricamente “adiantada” na migração, foi alvo de uma implacável caçada por parte de pods de Orcas na Austrália no mês passado.

Chamando a atenção de pesquisadores por conta da época do ano, o animal foi observado por uma embarcação de turismo a 70 km da costa da Baía de Bremer, na costa sul da Austrália. O avistamento foi uma surpresa bem-vinda para os turistas a bordo, mas aumentou a preocupação dos cientistas que temem que a escassez de alimentos na Antártica possa empurrar os mamíferos para o norte mais cedo. Foi a primeira vez que uma jubarte foi registrada neste local abundante em vida marinha que costuma atrair Orcas, baleias-piloto, lulas gigantes e aves marinhas no verão.

A Bióloga marinha Brodee Elsdon, que trabalha a bordo do Naturalise Charters, disse que cerca de 45 mil jubartes migram passando pela costa oeste autraliana no inverno, mas este jovem macho estava quase dois meses adiantado. “Normalmente não as vemos atingindo a costa sul ou sudoeste até abril, a maioria chega só em junho e julho", disse ela. “Vê-lo em meados de fevereiro é bastante alarmante.” Segundo pesquisadores, as mudanças climáticas parecem estar empurrando-as para o norte mais cedo. “Alterações no padrão de tempo de migração era mais lento antigamente, mas nos últimos 20 anos iniciou-se uma mudança mais acelerada, ou seja, estão migrando para o norte cada vez mais cedo”, acrescentou ela. O aumento do degelo antártico diminui algas e krill, principal fonte de alimento das jubartes.

Imagem: Machi Yoshida


Foto: Wild Wing Images

Esta única chegada antecipada poderia até não significar muita coisa, mas o que preocupou é que ela estava com a saúde debilitada. De qualquer forma, teve habilidade de escapar do ataque, inclusive tendo a astúcia de se utilizar da proteção da própria embarcação para tentar se defender.


Imagem: Machi Yoshida

Não gosto do tom da música dramática utilizada na edição do vídeo, afinal, “fofinhas” ou não, estamos tratando do maior predador dos oceanos. É assim que elas se comportam para sobreviver e não há nada mais natural que isso. Compartilho, porque as imagens são incríveis:





quarta-feira, 14 de outubro de 2020

Cientistas tentam explicar ataques de Orcas a barcos na Europa

Os cientistas estão tentando entender por que orcas da Península Ibérica começaram a atacar navios à vela. Uma nova pesquisa sugere que esses animais provavelmente foram feridos durante encontros anteriores com barcos e podem estar agindo de forma vingativa.

É 2020, então é claro que orcas estão atacando barcos. Desde julho, os cientistas registraram 33 interações distintas envolvendo veleiros e orcas, das quais seis foram observadas no Estreito de Gibraltar, cinco na costa portuguesa e 22 perto da Galícia.

Em resposta, as autoridades espanholas proibiram temporariamente pequenos iates de navegar em um trecho ao longo da costa ibérica, já que as orcas pareciam ter como alvo barcos de médio porte, medindo 15 metros ou menores.

As interações pareciam ser deliberadas e coordenadas, com sessões que duravam mais de uma hora. Aproximadamente um terço desses encontros causaram danos aos barcos. Os animais visavam a parte mais fraca da embarcação: o leme, de acordo com um grupo de trabalho internacional de especialistas em cetáceos que estudou o assunto.

Os cientistas não conseguiram explicar o comportamento estranho, citando estresse causado pela falta de comida ou aborrecimento com a retomada da atividade humana após o período de quarentena.


Duas das orcas que atacaram, Gladis Branca e Gladis Negra, exibindo ferimentos recentes.
Imagem: Rafael Fernández/Grupo de Trabalho Internacional Orca Atlântica



Para saber o que está acontecendo, o grupo de trabalho — que inclui os biólogos marinhos Alfredo López, da Universidade de Aveiro, em Portugal, e José Cedeira, da Coordinadora para o Estudo dos Mamíferos Mariños (CEMMA) — observou fotografias recentes e de arquivo de orcas conhecidas por frequentar essas águas. Surpreendentemente, os biólogos descobriram que três orcas juvenis estavam envolvidas em 61% dos incidentes. Dois adultos também participaram, mas não foram identificados, de acordo com um comunicado enviado por e-mail.

Os três juvenis, chamados Gladis Negra, Gladis Branca e Gladis Cinza, já são conhecidos pela equipe. Evidência fotográficas sugerem que dois deles — Gladis Negra e Gladis Branca — sofreram uma série de ferimentos físicos entre 20 de junho e 3 de agosto.

A equipe mapeou os ferimentos e identificou que eles foram provavelmente causados por atropelamentos com barcos. Esses ferimentos foram o resultado de colisões das orcas com os barcos que passavam, mas a equipe diz que alguns deles podem ter sido causados por elas tentarem agarrar peixes em linhas de pesca.

Lesões mapeadas no corpo da Gladis Negra.
Imagem: International Working Group of Atlantic Orcas/Tokio/Turmares Tarifa/Rafael Fernández

As orcas juvenis são “comumente observadas se aproximando de barcos de vários tipos, provavelmente devido à sua curiosidade”, segundo os especialistas. A popa é “especialmente atraente para cetáceos em geral e para orcas em particular”, pois contêm “estruturas móveis e barulhentas”. Dito isso, os encontros desde julho são “considerados inéditos devido aos repetidos contatos físicos dos animais com a estrutura dos navios”, conforme explicam os biólogos no comunicado.

Assim, os pesquisadores atribuem esse comportamento “estranho e novo” a um “incidente adverso” envolvendo as orcas e um barco, no qual a velocidade do barco desempenhou um papel potencialmente importante. Até o momento, ainda não há evidências claras de “quando ou se realmente aconteceu”, e os cientistas não podem confirmar que tipo de embarcação estava envolvida ou se o incidente foi acidental ou deliberado.

Apesar disso, os cientistas dizem que esse evento lamentável é provavelmente o responsável pelo comportamento, que começa na presença de um barco em movimento rápido e termina com um movimento aparentemente defensivo, em que as orcas conseguem parar o barco ao destruir seu leme. Para ser justo, no entanto, elas são superpredadoras (ou seja, um tipo de predador que está no topo de uma cadeia alimentar), então suas ações podem ser melhor descritas como sendo de natureza ofensiva.

Os especialistas não descartaram a possibilidade de que esse comportamento seja causado pela curiosidade das orcas. É também uma atividade muito gratificante (apesar dos danos), já que a ação resulta em um objeto bastante grande parando ou desacelerando consideravelmente — essas orcas juvenis podem na verdade estar atacando por diversão, ao invés de rancor. Ou então essas orcas são progressistas radicais e estão fazendo isso para ferrar com o 1% da sociedade e seus iates luxuosos.

O fato é que não sabemos; é difícil para os cientistas inferir a causa do comportamento de um animal, e este caso não é exceção.

Nenhum humano foi ferido durante esses encontros, mas isso obviamente não é bom para as orcas, já que está alterando seu comportamento normal e pode eventualmente levar a machucados mais graves. Seja qual for o motivo, esperemos que a hostilidade acabe logo.



Fonte: UOL de 07 de outubro de 2020.


quarta-feira, 30 de setembro de 2020

A crueldade neural do cativeiro

Tradução do artigo do Professor de Neurociência do Colorado College,

Bob Jacobs, publicado pelo Jornal Acadêmico “The Conversation”

em 24 de setembro de 2020

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A crueldade neural do cativeiro: a manutenção de grandes mamíferos em zoológicos e aquários gera danos cerebrais 

Hanako, uma elefanta asiática, viveu em um pequeno cercado de concreto no Zoológico japonês Inokashira Park por mais de 60 anos, a maior parte do tempo acorrentada, sem ser estimulada. Na natureza, os elefantes vivem em manadas com fortes laços familiares, já a Hanako viveu a última década de sua vida sozinha.


Kiska, uma jovem orca, foi capturada em 1978 na costa da Islândia e levada para o aquário e parque de diversões Marineland, no Canadá. Orcas são animais sociais que vivem em grupos familiares com até 40 membros, já Kiska vive sozinha em um pequeno tanque desde 2011. Todos os seus cinco filhotes morreram e para lidar com o estresse e o tédio, nada apaticamente em círculos intermináveis, além de desgastar brutalmente seus dentes (até alcançar a polpa) no concreto do tanque.

Infelizmente, essas são condições comuns para muitos mamíferos de grande porte em cativeiro para a indústria do “entretenimento”. Em décadas de estudo do cérebro de humanos, elefantes africanos, baleias Jubarte e outros grandes mamíferos, observei a grande sensibilidade do órgão ao meio ambiente, incluindo sérios impactos em sua estrutura e função por viverem em cativeiro.


Problemas de saúde e mudanças de comportamento

É fácil observar as consequências psicológicas e de saúde na vida em cativeiro. Muitos elefantes sofrem de artrite, obesidade ou problemas de pele. Tanto os elefantes quanto as Orcas costumam ter graves problemas dentários e é comum que Orcas desenvolvam pneumonias, infecções, doenças renais e gastrointestinais.

Muitos desses animais tentam lidar com o cativeiro adotando comportamentos anormais sendo que alguns desenvolvem “estereotipias”, que são hábitos repetitivos e sem propósito, como balançar a cabeça constantemente, sacudir incessantemente ou mastigar a grade dos cercados. Outros, especialmente os grandes felinos, caminham no entorno do cativeiro sem parar. Já os elefantes ficam roçando suas presas ou até as quebram.


Alteração na estrutura cerebral

Pesquisas neurocientíficas indicam que viver em um ambiente cativo empobrecido e estressante danifica fisicamente o cérebro. Essas mudanças foram documentadas em muitas espécies, incluindo roedores, coelhos, gatos e humanos.

Apesar de os pesquisadores estudarem diretamente o cérebro de alguns animais, a maior parte do que se sabe vem da observação do comportamento, da análise dos níveis de hormônio do estresse no sangue e da aplicação do conhecimento obtido em meio século de pesquisas em neurociência. Pesquisas laboratoriais também sugerem que os mamíferos em um zoológico ou aquário têm função cerebral comprometida.

Subsistir em ambientes confinados e enfadonhos, sem estimulação intelectual ou contato social apropriado, parece afinar o córtex cerebral, a parte do cérebro envolvida no movimento voluntário e nas funções cognitivas superiores, incluindo a memória, o planejamento e a tomada de decisões.

Existem outras consequências como o encolhimento dos capilares, o que impede o cérebro de receber o sangue rico em oxigênio necessário para sua sobrevivência, e a diminuição do tamanho dos neurônios e seus dendritos (ramos que formam conexões com outros neurônios) que têm sua complexidade diminuída, o que prejudica a comunicação dentro do cérebro. Como resultado, os neurônios corticais de animais cativos processam informações com menos eficiência do que aqueles que vivem em ambientes naturais e estimulantes.

A saúde cerebral também é afetada devido ao espaço reduzido impedir os exercícios necessários, pois a atividade física aumenta o fluxo sanguíneo para o cérebro o que requer grandes quantidades de oxigênio. O exercício aumenta a produção de novas conexões e melhora as habilidades cognitivas.

No habitat, esses animais precisam se mover para sobreviver e se deslocam por grandes distâncias para se alimentar ou encontrar um parceiro. Os elefantes normalmente viajam de 25 a quase 200 quilômetros por dia, já num zoológico, esse deslocamento não passa de uma média de cinco quilômetros por dia, geralmente indo e voltando em pequenos cercados. Uma Orca selvagem estudada no Canadá percorria até 250 quilômetros por dia; enquanto isso, um tanque de tamanho médio de uma Orca possui uma área 10 mil vezes menor do que a que circularia na natureza.


Alteração da química cerebral e a morte de celular

Viver em recintos que restrinjam ou evitem o comportamento normal gera frustração e tédio crônicos. Na natureza, o sistema de resposta ao estresse de um animal o ajuda a escapar do perigo. Mas o cativeiro prende os animais com quase nenhum controle sobre seu ambiente. Essas situações estimulam o desamparo aprendido, impactando negativamente o hipocampo, que controla as funções da memória, e a amígdala, que processa as emoções. O estresse prolongado eleva os hormônios do estresse e danifica ou até mata neurônios em ambas as regiões cerebrais. Também perturba o delicado equilíbrio da serotonina, um neurotransmissor que, entre outras funções, estabiliza o humor.

Em humanos, a privação pode desencadear problemas psiquiátricos, incluindo depressão, ansiedade, transtornos de humor ou transtorno de estresse pós-traumático. Elefantes, Orcas e outros animais com cérebros grandes podem reagir de maneira semelhante em um ambiente extremamente estressante.


Conexão danificada

O cativeiro pode danificar os circuitos complexos do cérebro, incluindo os gânglios da base. Esse grupo de neurônios se comunica com o córtex cerebral ao longo de duas redes: uma via direta que aumenta o movimento e o comportamento e uma via indireta que os inibe.

Os comportamentos repetitivos e estereotipados que muitos animais adotam em cativeiro são causados por um desequilíbrio de dois neurotransmissores, dopamina e serotonina. Isso prejudica a capacidade da via indireta de modular o movimento, uma condição documentada em várias espécies desde galinhas, vacas, ovelhas e cavalos a primatas e grandes felinos.

A evolução construiu cérebros de animais para serem primorosamente responsivos ao ambiente. Essas reações podem afetar a função neural, ativando ou desativando diferentes genes. Viver em circunstâncias inadequadas ou abusivas altera os processos bioquímicos: perturba a síntese de proteínas que constrói conexões entre as células cerebrais e os neurotransmissores que facilitam a comunicação entre elas.

Há fortes indícios de que o estímulo, o contato social e o espaço adequado em ambientes mais naturais são necessários para animais com alta expectativa de vida e que possuem cérebros grandes, como os elefantes e os cetáceos. Melhores condições diminuem comportamentos estereotípicos perturbadores, melhoram as conexões cerebrais e desencadeiam mudanças neuroquímicas que aumentam o aprendizado e a memória.


A questão do cativeiro

Algumas pessoas defendem a manutenção de animais em cativeiro, argumentando que isso ajuda a conservar espécies ameaçadas ou oferece benefícios educacionais para visitantes de zoológicos e aquários. Essas justificativas são questionáveis, especialmente para grandes mamíferos. Como evidencia minha pesquisa e o trabalho de muitos outros cientistas, enjaular grandes mamíferos e colocá-los em exibição é inegavelmente cruel do ponto de vista neural. Isso causa danos cerebrais!

A percepção do público sobre o cativeiro está mudando lentamente, como mostra a reação ao documentário “Blackfish”. Para os animais que não podem ser livres, existem santuários bem planejados. Já existem vários para elefantes e outros grandes mamíferos nos EUA (Tennessee e norte da Califórnia), bem como no Brasil. Assim como outros estão sendo desenvolvidos para grandes cetáceos, e, talvez, não seja tarde demais para Kiska.


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Tradução: Vanessa Ribeiro



terça-feira, 29 de setembro de 2020

França proíbe o uso de animais selvagens em parques marinhos e circos itinerantes

A Ministra do Meio Ambiente da França anunciou uma proibição gradual da manutenção de Orcas e golfinhos em cativeiro, do uso de animais selvagens em circos itinerantes e da criação de visons para extração da pele.

Barbara Pompili, Ministra de transição ecológica, disse hoje em entrevista coletiva que ursos, tigres, leões, elefantes e outros animais selvagens não serão mais permitidos em circos itinerantes "nos próximos anos". Além disso, de imediato, os três parques marinhos franceses já estão proibidos de adquirir/trazer mais Orcas e golfinhos para viverem em seus tanques, bem como desenvolver programas de reprodução em cativeiro. “É hora de abrir uma nova era em nosso relacionamento com esses animais”, disse ela, argumentando que o bem-estar animal é uma prioridade.



A Ministra disse ainda que as medidas também vão acabar com a criação de visons para obtenção da pele nos próximos cinco anos. A proibição não se aplica a animais selvagens em outras apresentações e zoológicos permanentes.

Apesar de não estabelecer uma data, com relação à proibição de circos itinerantes, ela disse que o processo deve começar “o mais rápido possível” e informou que o destino dos animais deve ser tratado “caso a caso”.

O governo francês implementará um pacote de 8 milhões de euros (9,2 milhões de dólares) para auxiliar na transição das atividades por parte dos trabalhadores desses circos e parques marinhos. “Essa transição se estenderá por vários anos, já que mudará a vida de muita gente”, disse ela.

A notícia não deixa de ser uma vitória e, se mantida, pode ser um grande exemplo para demais países. No entanto, queria apenas lembrar que, em 2017, o governo francês já havia imposto restrições para cativeiro e reprodução de Orcas e golfinhos, mas a medida foi revogada após os próprios parques acessarem a justiça alegando que aquilo seria o fim de seu negócio.

Fiquemos na torcida de que, dessa vez, seja definitivo!