David Kirby, autor do livro "Death at SeaWorld: Shamu and the Dark Side of Killer Whales in Captivity", que foi inspirado na morte da treinadora Dawn Brancheau, escreveu uma mensagem pela morte do Tilikum em sua página no Facebook. Pedi permissão para traduzí-la e compartilhá-la aqui com vocês e ele gentilmente me autorizou. Segue:
Descanse em paz, Tilikum.
Por David Kirby
"Jamais esquecerei a tarde em que Tilikum, a grande e temida Orca que morreu na última sexta-feira, matou sua treinadora Dawn Brancheau no SeaWorld de Orlando, bem como jamais imaginei que isso marcaria o início do fim da indústria de Orcas em cativeiro nos EUA.
Naquele 24 de fevereiro de 2010, eu estava trabalhando em casa quando a CNN passou a chamar minha atenção logo atrás. Eu fiquei atordoado quando levantei a cabeça para ver o que havia ocorrido. Passaram o resto do dia exibindo imagens da Orca gigantesca flutuando apática próxima ao corpo coberto de sua treinadora no canto da tela.
Senti-me péssimo pela Dawn, sua família e colegas de trabalho, mas não senti pena do Tilikum... Algo que ia mudar em breve!
Aquele incidente atormentador me inspirou a escrever “Death at SeaWorld: Shamu and the Dark Side of Killer Whales in Captivity” (Morte no SeaWorld: Shamu e o lado Obscuro das Orcas em Cativeiro) e o que acabei descobrindo, com isso, foi estarrecedor:
Orcas são animais extremamente inteligentes e sociais, percorrem diariamente mais de 150 km na natureza; mas, segundo cientistas, em locais como o SeaWorld, o estresse do confinamento resulta em agressividade, baixa imunológica e infecções mortais. Elas destroem os próprios dentes mordendo comportas de metal e por isso têm a polpa dentária removida com brocas, as barbatanas dorsais dos machos adultos colapsam e se desfiguram de forma grotesca, além de acabarem morrendo ainda bem jovens.
Tilikum virou rapidamente a figura central da minha narrativa. Dediquei um capítulo do livro à sua captura na Islândia, quando ele foi arrancado de perto da mãe com apenas dois anos; escrevi sobre sua transferência ao parque Sealand of the Pacific, em Victoria, no Canadá, onde ele ficava preso numa piscina com duas fêmeas dominantes que o atacavam impiedosamente e permanecia numa caixa de metal apertado durante a noite.
Em 1991, talvez por conta da frustração ou do profundo tédio que vivenciava, agarrou o pé da treinadora Keltie Byrne e a puxou para dentro da água, impedindo juntamente às outras Orcas que ela saísse da água, até que se afogasse. O Sealand decidiu então deixar de trabalhar com Orcas em cativeiro.
Mas quem iria comprar um animal tão perigoso?
O SeaWorld rapidamente fez uma oferta, transferiu Tilikum para Orlando onde era frequentemente mantido em isolamento e proibiu que treinadores entrassem na água com ele, sem especificar o porquê.
Oito anos depois, um sem-teto, chamado Daniel Dukes, entrou no tanque de Tilikum depois que o parque havia fechado e foi encontrado morto na manhã seguinte, em cima de suas costas. Mesmo não constando na necropsia, o parque declarou que a morte foi causada por hipotermia, apesar de o corpo apresentar arranhões e hematomas provocados antes e depois do óbito.
Mas foi a morte brutal de sua terceira vítima, a Dawn Brancheau, que virou manchete no mundo todo.
Nada seria como antes para o SeaWorld e sua brilhante reputação que conquistava tantas famílias.
Desde aquele dia terrível, o parque tem sofrido uma avalanche de críticas da qual, mesmo sendo um gigante do entretenimento, pode jamais se recuperar. Essa avalanche foi iniciada com a publicação do meu livro em 2012 e o lançamento do poderoso documentário, capaz de mudar o curso da indústria: o documentário Blackfish.
O público do parque caiu, bem como suas ações; uma série de artistas renomados cancelaram apresentações em Orlando, parceiros comerciais cortaram laços e seu Presidente foi demitido.
O SeaWorld finalmente captou a mensagem: Orcas não devem ser usadas para entretenimento, ponto!
Em março de 2016, a empresa anunciou o fim de seu programa de reprodução em cativeiro, fazendo desta a última geração de Orcas cativas nos Estados Unidos, além de ter se comprometido em encerrar seu icônico show da Shamu em troca de exibições mais naturais e educativas. E, apropriadamente, o último show de Orcas no SeaWorld de San Diego ocorrerá neste domingo*.
Nós jamais saberemos por que Tilikum agarrou e puxou uma treinadora tão amada para seu tanque. Mas se tem algo positivo que pode surgir deste aterrador evento é a oposição crescente à manutenção de mamíferos marinhos em cativeiro em todo o mundo.
Tilikum se foi, mas seu legado perdura. Ainda sinto pelas pessoas que ele tirou a vida, mas também sinto demais por esta criatura sensível e majestosa, que merecia mais do que lhe foi dado. Estou grato por seu sofrimento ter chegado ao fim."
* O último show tradicional de Orcas no SeaWorld de San Diego ocorreu de fato no último domingo (08 de janeiro), antes da publicação da mensagem, no entanto, mantive o texto original.