quarta-feira, 14 de outubro de 2020

Cientistas tentam explicar ataques de Orcas a barcos na Europa

Os cientistas estão tentando entender por que orcas da Península Ibérica começaram a atacar navios à vela. Uma nova pesquisa sugere que esses animais provavelmente foram feridos durante encontros anteriores com barcos e podem estar agindo de forma vingativa.

É 2020, então é claro que orcas estão atacando barcos. Desde julho, os cientistas registraram 33 interações distintas envolvendo veleiros e orcas, das quais seis foram observadas no Estreito de Gibraltar, cinco na costa portuguesa e 22 perto da Galícia.

Em resposta, as autoridades espanholas proibiram temporariamente pequenos iates de navegar em um trecho ao longo da costa ibérica, já que as orcas pareciam ter como alvo barcos de médio porte, medindo 15 metros ou menores.

As interações pareciam ser deliberadas e coordenadas, com sessões que duravam mais de uma hora. Aproximadamente um terço desses encontros causaram danos aos barcos. Os animais visavam a parte mais fraca da embarcação: o leme, de acordo com um grupo de trabalho internacional de especialistas em cetáceos que estudou o assunto.

Os cientistas não conseguiram explicar o comportamento estranho, citando estresse causado pela falta de comida ou aborrecimento com a retomada da atividade humana após o período de quarentena.


Duas das orcas que atacaram, Gladis Branca e Gladis Negra, exibindo ferimentos recentes.
Imagem: Rafael Fernández/Grupo de Trabalho Internacional Orca Atlântica



Para saber o que está acontecendo, o grupo de trabalho — que inclui os biólogos marinhos Alfredo López, da Universidade de Aveiro, em Portugal, e José Cedeira, da Coordinadora para o Estudo dos Mamíferos Mariños (CEMMA) — observou fotografias recentes e de arquivo de orcas conhecidas por frequentar essas águas. Surpreendentemente, os biólogos descobriram que três orcas juvenis estavam envolvidas em 61% dos incidentes. Dois adultos também participaram, mas não foram identificados, de acordo com um comunicado enviado por e-mail.

Os três juvenis, chamados Gladis Negra, Gladis Branca e Gladis Cinza, já são conhecidos pela equipe. Evidência fotográficas sugerem que dois deles — Gladis Negra e Gladis Branca — sofreram uma série de ferimentos físicos entre 20 de junho e 3 de agosto.

A equipe mapeou os ferimentos e identificou que eles foram provavelmente causados por atropelamentos com barcos. Esses ferimentos foram o resultado de colisões das orcas com os barcos que passavam, mas a equipe diz que alguns deles podem ter sido causados por elas tentarem agarrar peixes em linhas de pesca.

Lesões mapeadas no corpo da Gladis Negra.
Imagem: International Working Group of Atlantic Orcas/Tokio/Turmares Tarifa/Rafael Fernández

As orcas juvenis são “comumente observadas se aproximando de barcos de vários tipos, provavelmente devido à sua curiosidade”, segundo os especialistas. A popa é “especialmente atraente para cetáceos em geral e para orcas em particular”, pois contêm “estruturas móveis e barulhentas”. Dito isso, os encontros desde julho são “considerados inéditos devido aos repetidos contatos físicos dos animais com a estrutura dos navios”, conforme explicam os biólogos no comunicado.

Assim, os pesquisadores atribuem esse comportamento “estranho e novo” a um “incidente adverso” envolvendo as orcas e um barco, no qual a velocidade do barco desempenhou um papel potencialmente importante. Até o momento, ainda não há evidências claras de “quando ou se realmente aconteceu”, e os cientistas não podem confirmar que tipo de embarcação estava envolvida ou se o incidente foi acidental ou deliberado.

Apesar disso, os cientistas dizem que esse evento lamentável é provavelmente o responsável pelo comportamento, que começa na presença de um barco em movimento rápido e termina com um movimento aparentemente defensivo, em que as orcas conseguem parar o barco ao destruir seu leme. Para ser justo, no entanto, elas são superpredadoras (ou seja, um tipo de predador que está no topo de uma cadeia alimentar), então suas ações podem ser melhor descritas como sendo de natureza ofensiva.

Os especialistas não descartaram a possibilidade de que esse comportamento seja causado pela curiosidade das orcas. É também uma atividade muito gratificante (apesar dos danos), já que a ação resulta em um objeto bastante grande parando ou desacelerando consideravelmente — essas orcas juvenis podem na verdade estar atacando por diversão, ao invés de rancor. Ou então essas orcas são progressistas radicais e estão fazendo isso para ferrar com o 1% da sociedade e seus iates luxuosos.

O fato é que não sabemos; é difícil para os cientistas inferir a causa do comportamento de um animal, e este caso não é exceção.

Nenhum humano foi ferido durante esses encontros, mas isso obviamente não é bom para as orcas, já que está alterando seu comportamento normal e pode eventualmente levar a machucados mais graves. Seja qual for o motivo, esperemos que a hostilidade acabe logo.



Fonte: UOL de 07 de outubro de 2020.