Elas também amam, sofrem, brincam e valorizam a família. “O Segredo das Baleias”, nova série da NatGeo no Disney+, revela o que podemos aprender sobre (e com) esses animais
O compromisso estava marcado para aquela tarde, no Canadá. E, como não poderiam se atrasar, saíram com bastante antecedência para encontrar os outros quase 2 mil participantes da reunião anual. Com sorte, a família chegou a tempo, depois de seis semanas de viagem. O objetivo era reencontrar velhos amigos e conhecer novos, além de se divertirem. O local da confraternização foi escolhido estrategicamente: naquela região, a temperatura é menos fria e o local é seguro.
Não, não estamos falando de algum tipo de reunião anual de pessoas nas férias de verão. O cenário descrito se refere a baleias, e o local é precisamente Cunningham Inlet, região no Ártico canadense que recebe belugas todos os anos e funciona praticamente como um berçário gigante e natural desses animais. Lá, a temperatura da água é mais amena devido à proximidade a um rio, o que torna o lugar mais conveniente para o nascimento de novas integrantes do grupo.
Essa é uma das muitas cenas apresentadas em O Segredo das Baleias, nova série da National Geographic, disponibilizada na plataforma de streaming Disney+ a partir desta quinta-feira (22). Lançada no Dia da Terra, a produção garante o protagonismo de belugas, orcas, jubartes, cachalotes e narvais, além de lembrar que não estamos sozinhos no planeta: há outras espécies, além dos humanos, que sentem amor, empatia e diversas emoções.
A produção da série é de James Cameron, conhecido por nada menos que filmes como Aliens (1986), Titanic (1997) e Avatar (2009). Sigourney Weaver, atriz queridinha de Cameron, é a voz responsável pela narração das cenas, que foram dirigidas por Brian Armstrong. A trilha sonora ficou por conta de Raphaelle Thibaut.
À frente dos registros de tirar o fôlego está o fotógrafo da NatGeo Brian Skerry, por quem somos convidados a mergulhar nas águas que carregam os segredos desses mamíferos. Três anos de observação em 24 localidades ao redor do mundo são apresentados em quatro episódios, aos quais GALILEU teve acesso de antemão. “Eu diria que, no geral, o mais empolgante foi observar a complexidade dessas baleias unidas em sociedade, que realmente têm culturas únicas e tradições ancestrais passadas de uma geração a outra”, relata Skerry, em entrevista virtual à reportagem.
Assista ao trailer da série abaixo:
O projeto da série surgiu justamente após um grupo de cientistas constatar que animais como as baleias têm suas próprias culturas. Segundo Brian Armstrong, a princípio a ideia lhe pareceu ousada, mas quanto mais eles foram se aprofundando na produção, mais o diretor entendeu a dimensão do trabalho, que esteve sempre guiado pela abordagem científica. “Quando você observa uma baleia mãe ‘carregando’ seu filhote junto dela durante uma semana, que tipo de comportamento é esse, no mundo animal, que não é afetivo?”, questiona Armstrong.
A cultura na qual estamos inseridos vai sendo ensinada a nós durante a vida, e assim é com as baleias. Os filhotes aprendem com a mãe tudo de que precisam para sobreviver, mas também são ensinados sobre tradições familiares e culturais. Como explica um dos episódios, orcas jovens aumentam em até cinco vezes as chances de sobrevivência quando seguem os ensinamentos maternos. As belugas, por sua vez, retornam anualmente ao Ártico canadense não por instinto, mas porque escolhem voltar, graças ao aprendizado cultural que receberam.
E nós temos muito a aprender com elas. A seguir, veja alguns dos pontos revelados pela série sobre o surpreendente mundo das baleias:
1. Repasse conhecimento
Ao longo dos episódios de O Segredo das Baleias conhecemos as sofisticadas estratégias de caça desses animais, que são aprendidas e ensinadas ao longo de gerações. Na Antártida, por exemplo, famílias de jubarte oriundas de diversas regiões do planeta têm a mesma técnica: elas formam uma rede de bolhas, que criam uma impressionante imagem vista de cima e que lembram o desenho de um caracol. O método consiste em nadar mais para o fundo e soltar ar enquanto percorrem um trajeto em espiral. Como suas presas são atraídas pelas bolhas e as bolhas sobem até a superfície, as baleias também se elevam para esperar e atacar sua comida. Após a refeição, algumas jubartes dão a si mesmas o direito de cochilar. E não é de se esperar menos de um animal que se alimenta de cerca de 2 toneladas de krill por dia.
Já as cachalotes mergulham fundo para caçar lulas. E bota fundo nisso! Elas precisam segurar a respiração por tempo suficiente para ir e voltar de quase mil metros de profundidade. É como se houvesse dois prédios do principal arranha-céu de Nova York, o Empire State Building, abaixo da superfície — e, mesmo assim, as cachalotes estariam ainda mais no fundo.
Seria humanamente impossível para a equipe de Brian Skerry acompanhar esse momento, devido à alta pressão exercida pela água sobre os pulmões e ouvidos — para ter ideia, descer 300 metros de profundidade já é muito. Em um mergulho para acompanhar orcas caçando e se alimentando de arraias, o fotógrafo conseguiu descer o bastante para registrar uma das cenas de maior destaque durante a produção da série. “Havia essa fêmea que se alimentava de uma arraia. Quando nadei para perto dela, ela soltou [a arraia] como se estivesse dividindo comigo”, contou a GALILEU. “Jamais poderia esperar por isso, foi uma experiência absolutamente incrível.”
No mar aberto, esses animais (que na verdade não são baleias, e sim parentes dos golfinhos) não têm nada de assassinos, como costumam ser chamados. Não há registros de mortes de humanos causadas por orcas na vida selvagem — já o contrário…
2. Família é tudo
As famílias de baleias têm matriarcas. São elas quem retêm a sabedoria que será passada adiante para manter sua cultura viva. “Elas investem muito na próxima geração. Protegem-se e reúnem-se como uma comunidade”, explica Skerry. A série mostra bem isso: em uma cena, a irmã mais velha cuida da orca caçula enquanto ela explora o mar; em outro registro, uma mãe sofre o luto de perder um filhote, mantendo o corpo dele perto do seu e juntando os demais animais do grupo; e é impossível não se emocionar com a beluga encalhada que, mesmo exausta, não desiste de tentar se salvar após ouvir o chamado de seu filhote perdido. E consegue.
“É disso que se trata O Segredo das Baleias. É sobre enxergar esses animais através de lentes de suas próprias culturas. E isso muda a maneira como enxergamos a natureza”, comenta Skerry.
3. Cada uma com seu “baleiês”
Mais do que simplesmente se comunicar, O Segredo das Baleias mostra que esses mamíferos têm linguagens próprias, vocabulários inteiros e que dão nomes umas às outras. As belugas, por exemplo, têm expressões faciais, são capazes de rir. Já cada família de orca fala uma língua específica. “Elas se isolam pela linguagem, isto é, animais geneticamente idênticos não se misturam porque têm diferentes dialetos, assim como os humanos”, explica Brian Skerry.
No caso das cachalotes, algumas famílias compartilham a mesma língua, que é entendida pelos humanos como uma sequência de cliques e estalos — como se usassem um código morse criado pelas baleias. Na produção, o ecologista Shane Gero revela que foram registradas ao menos 24 diferentes sequências de cliques usados por elas. Se somos capazes de escrever livros com 26 letras no alfabeto, imagine o que uma cachalote não consegue dizer em estalos?
Mas o ouvido humano não aguentaria escutar a comunicação das cachalotes de perto, porque elas emitem sons em aproximadamente 230 decibéis (dB), nível suficiente para romper nossos tímpanos. As jubartes, por outro lado, conseguem conversar sussurrando a 40 dB, mais baixo do que conversas entre humanos (que ficam em torno de 60 dB). Silenciosas quando querem, elas também são capazes de emitir cantos que viajam por quilômetros e que duram aproximadamente 20 minutos. “Estar na água e ouvir o canto de uma jubarte é único no mundo. Você pode ouvi-la a uma distância enorme, mas quanto mais perto você chega, mais sente as vibrações simplesmente ressoarem nas suas cavidades corporais”, detalha o fotógrafo.
A musicista Raphaelle Thibaut, que assina a trilha sonora da série, considera que o canto das baleias é uma linguagem semelhante à música para os humanos. “Apesar de não entendermos o que elas estão falando, é familiar, você capta o som e as entonações”, pontua. “Assim como as baleias se comunicam a quilômetros de distância, nós também o fazemos de uma ponta a outra do planeta por meio de uma linguagem única, que é a música. Ainda que você não saiba cantar, todos compreendemos do que se trata.”
4. Um por todos e todos por um
A série da NatGeo como um todo evidencia o espírito de equipe e cuidado que as baleias têm com suas semelhantes. É o caso das cachalotes, que não seguem um líder, mas tomam decisões em conjunto, comunicando-se oralmente e por linguagem corporal ao nadar.
Quando estão juntas, as baleias têm mais chances de se proteger e espantar outros animais. Mas caso se percam do grupo, a sobrevivência entra em risco. O Segredo das Baleias revela que, apesar de haver embates entre espécies, há também um potencial de acolhimento. Um exemplo é quando vemos uma jovem baleia narval perdida cruzar o caminho de um grupo de belugas, que a adotam, extrapolando qualquer limite imposto pelas diferenças culturais de cada espécie.
Mas, afinal, qual é o grande segredo das baleias? É impossível cravar apenas um — o título original em inglês inclusive está no plural, Secrets of the Whales. Estabelecer uma comunicação singular e viver em comunidade, brincar na água e ser treinada a caçar a própria refeição, aprender as tradições da família com ancestrais são apenas alguns dos comportamentos enigmáticos e encantadores desses seres aquáticos.
“Observamos esses animais sendo retratados como monstros, como em Mobydick, mas na verdade o que você vê é o amor e a ternura. Vê que eles são tímidos, que são gentis e que se importam uns com os outros”, aponta Brian Skerry. Para o fotógrafo que viu tudo de perto, o maior aprendizado da experiência envolve coisas que ele já sabia: que família e amor importam, e foram as baleias que o lembraram disso.
Fonte: Revista Galileu, de 22 de abril de 2021 (Texto da Beatriz Gatti)
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