quarta-feira, 30 de setembro de 2020

A crueldade neural do cativeiro

Tradução do artigo do Professor de Neurociência do Colorado College,

Bob Jacobs, publicado pelo Jornal Acadêmico “The Conversation”

em 24 de setembro de 2020

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A crueldade neural do cativeiro: a manutenção de grandes mamíferos em zoológicos e aquários gera danos cerebrais 

Hanako, uma elefanta asiática, viveu em um pequeno cercado de concreto no Zoológico japonês Inokashira Park por mais de 60 anos, a maior parte do tempo acorrentada, sem ser estimulada. Na natureza, os elefantes vivem em manadas com fortes laços familiares, já a Hanako viveu a última década de sua vida sozinha.


Kiska, uma jovem orca, foi capturada em 1978 na costa da Islândia e levada para o aquário e parque de diversões Marineland, no Canadá. Orcas são animais sociais que vivem em grupos familiares com até 40 membros, já Kiska vive sozinha em um pequeno tanque desde 2011. Todos os seus cinco filhotes morreram e para lidar com o estresse e o tédio, nada apaticamente em círculos intermináveis, além de desgastar brutalmente seus dentes (até alcançar a polpa) no concreto do tanque.

Infelizmente, essas são condições comuns para muitos mamíferos de grande porte em cativeiro para a indústria do “entretenimento”. Em décadas de estudo do cérebro de humanos, elefantes africanos, baleias Jubarte e outros grandes mamíferos, observei a grande sensibilidade do órgão ao meio ambiente, incluindo sérios impactos em sua estrutura e função por viverem em cativeiro.


Problemas de saúde e mudanças de comportamento

É fácil observar as consequências psicológicas e de saúde na vida em cativeiro. Muitos elefantes sofrem de artrite, obesidade ou problemas de pele. Tanto os elefantes quanto as Orcas costumam ter graves problemas dentários e é comum que Orcas desenvolvam pneumonias, infecções, doenças renais e gastrointestinais.

Muitos desses animais tentam lidar com o cativeiro adotando comportamentos anormais sendo que alguns desenvolvem “estereotipias”, que são hábitos repetitivos e sem propósito, como balançar a cabeça constantemente, sacudir incessantemente ou mastigar a grade dos cercados. Outros, especialmente os grandes felinos, caminham no entorno do cativeiro sem parar. Já os elefantes ficam roçando suas presas ou até as quebram.


Alteração na estrutura cerebral

Pesquisas neurocientíficas indicam que viver em um ambiente cativo empobrecido e estressante danifica fisicamente o cérebro. Essas mudanças foram documentadas em muitas espécies, incluindo roedores, coelhos, gatos e humanos.

Apesar de os pesquisadores estudarem diretamente o cérebro de alguns animais, a maior parte do que se sabe vem da observação do comportamento, da análise dos níveis de hormônio do estresse no sangue e da aplicação do conhecimento obtido em meio século de pesquisas em neurociência. Pesquisas laboratoriais também sugerem que os mamíferos em um zoológico ou aquário têm função cerebral comprometida.

Subsistir em ambientes confinados e enfadonhos, sem estimulação intelectual ou contato social apropriado, parece afinar o córtex cerebral, a parte do cérebro envolvida no movimento voluntário e nas funções cognitivas superiores, incluindo a memória, o planejamento e a tomada de decisões.

Existem outras consequências como o encolhimento dos capilares, o que impede o cérebro de receber o sangue rico em oxigênio necessário para sua sobrevivência, e a diminuição do tamanho dos neurônios e seus dendritos (ramos que formam conexões com outros neurônios) que têm sua complexidade diminuída, o que prejudica a comunicação dentro do cérebro. Como resultado, os neurônios corticais de animais cativos processam informações com menos eficiência do que aqueles que vivem em ambientes naturais e estimulantes.

A saúde cerebral também é afetada devido ao espaço reduzido impedir os exercícios necessários, pois a atividade física aumenta o fluxo sanguíneo para o cérebro o que requer grandes quantidades de oxigênio. O exercício aumenta a produção de novas conexões e melhora as habilidades cognitivas.

No habitat, esses animais precisam se mover para sobreviver e se deslocam por grandes distâncias para se alimentar ou encontrar um parceiro. Os elefantes normalmente viajam de 25 a quase 200 quilômetros por dia, já num zoológico, esse deslocamento não passa de uma média de cinco quilômetros por dia, geralmente indo e voltando em pequenos cercados. Uma Orca selvagem estudada no Canadá percorria até 250 quilômetros por dia; enquanto isso, um tanque de tamanho médio de uma Orca possui uma área 10 mil vezes menor do que a que circularia na natureza.


Alteração da química cerebral e a morte de celular

Viver em recintos que restrinjam ou evitem o comportamento normal gera frustração e tédio crônicos. Na natureza, o sistema de resposta ao estresse de um animal o ajuda a escapar do perigo. Mas o cativeiro prende os animais com quase nenhum controle sobre seu ambiente. Essas situações estimulam o desamparo aprendido, impactando negativamente o hipocampo, que controla as funções da memória, e a amígdala, que processa as emoções. O estresse prolongado eleva os hormônios do estresse e danifica ou até mata neurônios em ambas as regiões cerebrais. Também perturba o delicado equilíbrio da serotonina, um neurotransmissor que, entre outras funções, estabiliza o humor.

Em humanos, a privação pode desencadear problemas psiquiátricos, incluindo depressão, ansiedade, transtornos de humor ou transtorno de estresse pós-traumático. Elefantes, Orcas e outros animais com cérebros grandes podem reagir de maneira semelhante em um ambiente extremamente estressante.


Conexão danificada

O cativeiro pode danificar os circuitos complexos do cérebro, incluindo os gânglios da base. Esse grupo de neurônios se comunica com o córtex cerebral ao longo de duas redes: uma via direta que aumenta o movimento e o comportamento e uma via indireta que os inibe.

Os comportamentos repetitivos e estereotipados que muitos animais adotam em cativeiro são causados por um desequilíbrio de dois neurotransmissores, dopamina e serotonina. Isso prejudica a capacidade da via indireta de modular o movimento, uma condição documentada em várias espécies desde galinhas, vacas, ovelhas e cavalos a primatas e grandes felinos.

A evolução construiu cérebros de animais para serem primorosamente responsivos ao ambiente. Essas reações podem afetar a função neural, ativando ou desativando diferentes genes. Viver em circunstâncias inadequadas ou abusivas altera os processos bioquímicos: perturba a síntese de proteínas que constrói conexões entre as células cerebrais e os neurotransmissores que facilitam a comunicação entre elas.

Há fortes indícios de que o estímulo, o contato social e o espaço adequado em ambientes mais naturais são necessários para animais com alta expectativa de vida e que possuem cérebros grandes, como os elefantes e os cetáceos. Melhores condições diminuem comportamentos estereotípicos perturbadores, melhoram as conexões cerebrais e desencadeiam mudanças neuroquímicas que aumentam o aprendizado e a memória.


A questão do cativeiro

Algumas pessoas defendem a manutenção de animais em cativeiro, argumentando que isso ajuda a conservar espécies ameaçadas ou oferece benefícios educacionais para visitantes de zoológicos e aquários. Essas justificativas são questionáveis, especialmente para grandes mamíferos. Como evidencia minha pesquisa e o trabalho de muitos outros cientistas, enjaular grandes mamíferos e colocá-los em exibição é inegavelmente cruel do ponto de vista neural. Isso causa danos cerebrais!

A percepção do público sobre o cativeiro está mudando lentamente, como mostra a reação ao documentário “Blackfish”. Para os animais que não podem ser livres, existem santuários bem planejados. Já existem vários para elefantes e outros grandes mamíferos nos EUA (Tennessee e norte da Califórnia), bem como no Brasil. Assim como outros estão sendo desenvolvidos para grandes cetáceos, e, talvez, não seja tarde demais para Kiska.


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Tradução: Vanessa Ribeiro



terça-feira, 29 de setembro de 2020

França proíbe o uso de animais selvagens em parques marinhos e circos itinerantes

A Ministra do Meio Ambiente da França anunciou uma proibição gradual da manutenção de Orcas e golfinhos em cativeiro, do uso de animais selvagens em circos itinerantes e da criação de visons para extração da pele.

Barbara Pompili, Ministra de transição ecológica, disse hoje em entrevista coletiva que ursos, tigres, leões, elefantes e outros animais selvagens não serão mais permitidos em circos itinerantes "nos próximos anos". Além disso, de imediato, os três parques marinhos franceses já estão proibidos de adquirir/trazer mais Orcas e golfinhos para viverem em seus tanques, bem como desenvolver programas de reprodução em cativeiro. “É hora de abrir uma nova era em nosso relacionamento com esses animais”, disse ela, argumentando que o bem-estar animal é uma prioridade.



A Ministra disse ainda que as medidas também vão acabar com a criação de visons para obtenção da pele nos próximos cinco anos. A proibição não se aplica a animais selvagens em outras apresentações e zoológicos permanentes.

Apesar de não estabelecer uma data, com relação à proibição de circos itinerantes, ela disse que o processo deve começar “o mais rápido possível” e informou que o destino dos animais deve ser tratado “caso a caso”.

O governo francês implementará um pacote de 8 milhões de euros (9,2 milhões de dólares) para auxiliar na transição das atividades por parte dos trabalhadores desses circos e parques marinhos. “Essa transição se estenderá por vários anos, já que mudará a vida de muita gente”, disse ela.

A notícia não deixa de ser uma vitória e, se mantida, pode ser um grande exemplo para demais países. No entanto, queria apenas lembrar que, em 2017, o governo francês já havia imposto restrições para cativeiro e reprodução de Orcas e golfinhos, mas a medida foi revogada após os próprios parques acessarem a justiça alegando que aquilo seria o fim de seu negócio.

Fiquemos na torcida de que, dessa vez, seja definitivo!



segunda-feira, 28 de setembro de 2020

Setembro registra o nascimento de dois filhotes no Pod J

Este mês foi marcado pelos nascimentos de dois filhotes no Pod J, pertencente à população das Orcas Residentes do Sul, do noroeste do Pacífico. E cada um por uma razão, foram ocorrências muito especiais.

O primeiro foi três semanas atrás, no dia 4. J35, também conhecida como Tahlequah, deu à luz J57. Mas por que seria especial? Porque dois anos atrás, esta fêmea comoveu o mundo após passar nada menos que 17 dias, por cerca de 1600 km, empurrando seu filhote morto. A notícia de sua gestação (confirmada por imagens de drones) ocorreu em julho deste ano, e todos aguardavam ansiosos por um nascimento saudável. Na semana passada, também foi possível confirmar o sexo do filhote. É um macho e ele segue saudável.

Imagem: Sara Hysong-Shimazu

O segundo nascimento ocorreu na última quinta-feira, dia 24. Dessa vez foi a Orca identificada por J41, também conhecida por Eclipse, cujo primeiro filhote, J51, nasceu em 2015. “Estamos muito contentes em saber que a J41 teve mais um filhote”, disse o Ken Balcomb, fundador do Center for Whale Research. “Mas ainda é muito cedo para definir o estado do filhote, precisamos de mais observações antes de divulgar suas condições de saúde e determinar uma identificação definitiva”, completou ele.

E a parte especial deste outro nascimento é que algumas pessoas tiveram a sorte de presenciá-lo! Sim, os sortudos estavam acompanhados das naturalistas Talia Goodyear e Leah Vanderwiel a bordo do do Pacific Explorer do Orca Spirit Adventures (empresa de observação de baleias) da costa de Victoria, na Colúmbia Britânica, Canadá.

Imagem: Talia Goodyear

“Nós logo identificamos a J41, a sudoeste de Race Rocks”, contou Talia. “Ela parecia estar sozinha no momento e ficou próxima à superfície por alguns minutos e, depois de submergir por um bom tempo, emergiu e parecia que estava empurrando algo com o rostro.”

“Demorou um pouco até entendermos realmente o que estava acontecendo”, acrescentou ela, “chegamos a nos perguntar se se tratava realmente de uma Residente do Sul e que, de repente, aquilo poderia ser uma foca”. Mas, para a alegria de todos, o nascimento foi confirmado no dia seguinte pela equipe do Center for Whale Research.

Até 31 de dezembro de 2019, havia 73 Orcas nos pods J (22), K (17) e L (34), que constituem as Residentes do Sul. Dois novos filhotes significariam 75 em toda população.


domingo, 27 de setembro de 2020

Ataques inéditos de Orcas a embarcações na Europa intriga especialistas

Há algumas semanas têm surgido diversos relatos e vídeos de Orcas acompanhando e atacando embarcações na costa europeia. Tenho acompanhado atentamente às informações, pois, de fato, são totalmente inéditas e têm intrigado pesquisadores do mundo todo que não estão encontrando uma explicação significativa para tais ocorrências. Diversos veículos divulgaram informações e imagens, mas muitas vezes desencontrados... atribuindo o mesmo vídeo a diferentes datas e ocasiões. Enquanto isso, aguardei o manifesto de especialistas da região (que seria o mais indicado, já que conhece melhor o comportamento desses grupos de Orcas), mas como até o momento não houve um consenso, apenas gostaria de registrar aqui a ocorrência desses casos, compartilhando uma das matérias mais abrangentes sobre o tema publicada pelo UOL aqui no Brasil.

Acredito que o mais preocupante nesta situação seja a própria reação de pescadores com relação a essas Orcas, caso isso siga acontecendo. Se for uma real disputa pela pesca na região, é possível que esses animais também corram risco. Mas vamos continuar acompanhando os relatos e avaliação dos pesquisadores locais. Seguirei compartilhando pelo Twitter e Facebook os relatos mais relevantes. Acompanhem!


Antes, para ilustrar bem os casos, compartilho um vídeo que mostra três desses ataques, dois na Galícia nos dias 30 de agosto e 14 de setembro, e outro no Cabo Prior no último dia 11:


(para assistir ao vídeo pelo celular, clicar em "Visualizar versão para web" ao final da página)



OBSERVAÇÃO: Lembrando que esses casos se referem aos registrados próximos à costa portuguesa e espanhola somente. Um caso recente de Orcas avistadas aqui na Bahia e que alguns títulos de matérias em veículos de comunicação deram a falsa ideia de que os barcos haviam sido "perseguidos" ou também "atacados" pelas Orcas não são verdadeiros, pois o comportamento demonstrado pelos animais na ocasião é o normalmente observado em todos os oceanos: Orcas curiosas, acompanhando a embarcação obviamente em áreas de pesca, nada além!


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"O que pode explicar os ataques de orcas contra barcos na Espanha"

Por Jorge de Souza (19/09/20)

Nos últimos dois meses, o litoral da Galícia, na costa da Espanha, tem sido palco de acontecimentos que estão deixando os cientistas intrigados e os donos de barcos bastante assustados. Ali, desde o início de julho, já foram registrados 22 casos de incidentes (para muitos, autênticos ataques) de orcas, cetáceos da família dos golfinhos, erroneamente conhecidas como "baleias assassinas", contra pequenos barcos de passeio.

Os dois casos mais recentes aconteceram esta semana (14 de setembro) e seguiram o mesmo padrão das ocorrências anteriores: um grupo de orcas (não se sabe se o mesmo) cercou dois barcos que navegavam na mesma região e passou a desferir golpes e esbarrões mais violentos na parte submersa dos cascos, gerando apreensão e medo nos seus ocupantes.

Um caso atrás do outro

O primeiro caso aconteceu no início do verão europeu, quando um veleiro de bandeira inglesa passou quase uma hora sendo seguidamente abalroado por um grupo de nove orcas naquela parte da costa espanhola, até que, por fim, teve o seu leme avariado pelos choques com os animais e precisou ser rebocado.

A partir daí, os casos foram se sucedendo com uma frequência cada vez mais intensa, mas sempre com o mesmo padrão de comportamento: as orcas se aproximam dos barcos e passam a golpeá-los, aparentemente sem nenhum motivo.

Algumas orcas chegam a morder partes submersas dos barcos, num comportamento tão incomum quanto preocupante.

"Arrancaram o barco das minhas mãos"

Até agora, nenhum barco afundou por conta dos choques provocados pelas orcas, mas todos ficaram à deriva e tiveram que ser rebocados, depois de pedir ajuda pelo rádio às autoridades marítimas – que, por isso mesmo, estão emitindo alertas a todas as embarcações para que evitem contato e fiquem longe das orcas.

Mas como, se são elas que se aproximam dos barcos? No mês passado, aconteceram diversos casos – sempre na mesma região. Um casal inglês que navegava com seu veleiro durante a noite chegou a sentir o barco ser "erguido" pelos animais, depois se sucessivas pancadas no casco.

Em outro caso, um novíssimo veleiro que estava sendo levado para ser entregue ao seu dono, foi golpeado "pelo menos 15 vezes", de acordo com o comandante do barco, o inglês Justin Crowther, e acabou também perdendo o leme. "Elas praticamente arrancaram o veleiro das minhas mãos", disse ele, ao ser rebocado nas imediações da cidade de La Coruña.

“O barulho era assustador. As orcas se jogavam de encontro ao barco, enquanto assobiavam alto, como se estivessem coordenando o ataque. Em certo momento, fizeram o nosso barco girar 180 graus. Achei que íamos capotar”, contou a bióloga inglesa Victoria Morris, que era uma das tripulantes do veleiro na ocasião.

Já o caso que teve maior repercussão foi o do veleiro da Armada Espanhola, Mirfak, com experientes marinheiros a bordo, que foi atacado na mesma região por um grupo de orcas, que não sossegou enquanto não arrancou o leme do barco para, em seguida, passar a mordê-lo na superfície, para espanto da tripulação. "Nunca vi isso", disse um dos marinheiros.

Três ataques no mesmo dia

Este mês, está sendo ainda pior. Na segunda semana do mês, em menos de 24 horas, três barcos foram atacados na mesma área, possivelmente pelo mesmo grupo de orcas.

O primeiro ataque aconteceu logo após a meia noite da última segunda-feira e envolveu o veleiro francês Amadeus, que tinha um casal a bordo. Três horas depois, a vítima foi o veleiro espanhol Urki 1, no qual viajavam dois casais.

E, no mesmo dia, à tarde, foi a vez do veleiro inglês Aliana, que levava dois amigos.

Nos três casos, o leme dos barcos foram seriamente avariados pelos impactos, mas ninguém se feriu.

O que dizem os especialistas

Os especialistas em animais marinhos ainda não sabem exatamente por que tantos casos assim vêm ocorrendo naquela parte da costa espanhola este ano. "Isso é bem incomum", diz a coordenadora de Estudo dos Mamíferos Marinhos da Galícia, que tem a mesma opinião do especialista em cetáceos Ezequiel Cazalla, que classificou os episódios como "muito estranhos".

Mas todos são unânimes em afirmar que não se trata de um fenômeno inédito, porque, todos os anos, durante o verão europeu, as orcas se aproximam bastante da costa entre Portugal e a Espanha em busca de cardumes de atum, um dos seus alimentos preferidos. "Este ano, porém, a quantidade de barcos na região aumentou bastante, o que pode ter facilitado estes “encontros”", arrisca um dos técnicos, sem, contudo, muita convicção.

“As orcas podem também estar estressadas com o intenso movimento de barcos, já que isso atrapalha a captura dos atuns”.

Orcas versus pescadores

Em algumas áreas do mar espanhol, a velha disputa entre orcas e pescadores pelos cardumes de atum já gerou tensos embates. Na região de Gilbraltar, os pescadores costumam se guiar pelas orcas para localizar os cardumes e, ao chegarem lá, tentam afugentá-las, o que, às vezes, gera retaliações dos animais.

Por outro lado, as orcas já aprenderam a roubar atuns das linhas dos pescadores, deixando-os apenas com as cabeças dos peixes, o que só faz aumentar a rivalidade. Mas é pouco provável que as orcas que estão atacando os barcos na costa espanhola sejam as mesmas que frequentam as águas de Gilbratar ou que estejam "se vingando" contra os barcos errados.

“Os pesquisadores ainda não têm todas as respostas, mas é certo que por trás do comportamento incomum daqueles animais, estão os cardumes de atum, que costumam se aproximar da costa espanhola nesta época do ano. E, junto com eles, chegam as orcas.

Seriam brincadeiras?

O biólogo marinho Bruno Díaz, do Instituto de Pesquisas de Golfinhos acredita, porém, que há, sim, um envolvimento grupal das orcas no caso dos ataques na região da Galícia. "Talvez seja um único grupo que esteja causando tudo isso, já que alguns incidentes aconteceram bem próximos uns dos outros. E pode ser que isso esteja acontecendo porque, neste grupo, podem haver indivíduos jovens, que são naturalmente mais curiosos acerca dos barcos”, pondera o especialista.

Orcas se aproximarem dos barcos não é algo nada raro, já que elas têm o mesmo comportamento dos golfinhos. Mas, no caso da Espanha, o que tem chamado a atenção é a forma como essas aproximações têm se dado – com trombadas intencionais nos cascos. "Pode ser que algumas orcas mais jovens gostem de brincar com os lemes dos barcos, já que eles se movimentam", pondera outro especialista, Alfredo López.

"O problema é que o leme é justamente a parte mais vulnerável e importante para a navegação de qualquer barco. E o simples contato com um animal de peso, como as orcas, invariavelmente resulta em quebra do equipamento, o que deixa os barcos à deriva, numa situação que pode perigosa", avalia.

Mesmo assim, López descarta qualquer possibilidade de ataques intencionais das orcas contra os ocupantes dos barcos. "Não há evidências, em nenhuma parte do mundo, de ataques premeditados de orcas contra seres humanos e elas tampouco saltam propositalmente sobre os barcos para afundá-los", tranquiliza. "Mas acidentes mais sérios causados por essas colisões podem, sim, acontecer", reconhece.

Afundados por uma baleia

A colisão entre grandes seres marinhos (baleias, principalmente) e pequenos barcos é algo bem mais frequente do que parece. E nem sempre sem maiores consequências para as embarcações.

Ao contrário, ser abalroado acidentalmente por uma baleia no meio do oceano é uma das maiores preocupações dos donos de veleiros, um tipo de barco naturalmente silencioso, já que é movido pelo vento, não por um motor, o que nem sempre faz com os animais detectem a sua aproximação. E, quando isso acontece, as consequências para os barcos podem ser trágicas.

Um dos casos mais famosos do gênero foi o dos ingleses Maralyn e Maurice Bailey, cujo barco foi atingido por uma baleia no meio do Pacífico e afundou, deixando o casal em dois minúsculos botes infláveis, sem água nem comida, por impressionantes 118 dias – até que, milagrosamente, foram resgatados. Depois disso, o casal passou a se dedicar ao estudo do comportamento das baleias, num curioso caso de admiração em vez de raiva*. No caso das orcas, são bem mais ágeis e as chances de incidente assim acontecer são praticamente desprezíveis.

Mas as consequências de uma pancada mais forte ou mordida no casco podem ser bem maiores do que um simples susto, como vem acontecendo na costa da Espanha, onde a primeira coisa que os donos de barcos estão fazendo a verem orcas na superfície é fugir delas.



Saiba mais sobre o intrigante caso do casal Bailey clicando no seguinte link:

https://historiasdomar.com/o-incrivel-casal-que-o-mar-nao-conseguiu-levar-2/